terça-feira, 19 de abril de 2011

O Mito de Sísifo

Segundo Junito de Souza Brandão, em Mitologia Grega (Ed. Vozes, 1996), Sísifo era originário da cidade grega de Corinto, um rei que desafiou os deuses e até mesmo a morte. Diz que Zeus observou a filha Egina do deus do rio, Asopo e a raptou. Quando seu pai quis saber sobre o ocorrido, ninguém queria falar com medo da reação de Zeus.

Mas Sísifo percebeu ali uma grande oportunidade e não pensou em deixá-la passar. A cidade de Corinto tinha na época um problema bem sério, não havia em seu perímetro uma fonte de água doce. O povo precisava ir buscar água em lugares distantes para satisfazer suas necessidades. Sísifo conversou com o deus do rio e fez um acordo, dava informações em troca de água. O deus concordou e uma fonte nasceu dentro da cidade de Corinto.

Asopo foi atrás de Zeus e este teve de devolver-lhe a filha que havia roubado. Zeus sabia quem ousou dar as informações e chamou seu irmão, Hades, o senhor do inferno e este mandou a morte, Tânatos, para buscar Sísifo.

A morte com missão precisa apareceu no mundo dos vivos. Geralmente recebida com grande espanto e terror pelas pessoas, ficou surpresa quando o esperto Sísifo a convidou para sentar–se em sua mesa para comer e beber. Foi uma boa conversa com piadas e descontração. Então, Sísifo ofereceu a ela um par de algemas que havia feito. Como já havia confiança e boa vontade entre eles, a morte colocou as algemas no pulso. Só depois de certo tempo é que ficou claro que ela, a morte havia ficado prisioneira de Sísifo.

Um fato desses abala o Universo todo. Nada e nem ninguém morria, pessoas, plantas ou animais. Com a morte no cativeiro haveria muitos efeitos colaterais: como superpopulação e aqueles que estavam doentes permaneceriam assim sem esperança de alivio. A vida sem a presença da morte faz pouco ou nenhum sentido. Até o tempo e a evolução param. Nem a guerra faz sentido, pois os soldados mortos em luta se levantam para agir de novo. Isto também enfureceu o deus da guerra Ares. A morte é um dos poucos controles que os deuses têm sobre os humanos.

Zeus, que é o senhor do Olimpo, percebeu a confusão que Sísifo havia arrumado e mandou o próprio Ares para buscá-lo e levá-lo para o inferno. Desta vez a missão foi cumprida com sucesso. Ares libertou a morte e levou a alma de Sísifo. Mas as coisas não acabaram nisso. Sísifo ainda tinha outros truques para executar.

Ele havia instruído sua esposa para não enterrar seu corpo e nem fazer os rituais fúnebres exigidos pelos deuses. Chegando na terra dos mortos, Sísifo foi reclamar que seu cadáver não havia sido devidamente enterrado. Pediu permissão para voltar para a Terra e castigar sua esposa por causa do desrespeito aos deuses. Hades concedeu a ele três dias para ir e retornar aos infernos. Mas quando chegou na superfície ficou evidente que não tinha nenhuma intenção de retornar novamente. Mais uma vez ele se saiu bem no confronto com os deuses.

Para resolver o problema de modo definitivo, Zeus mandou Hermes, o mensageiro dos deuses e aquele que acompanha as almas dos mortos até o outro mundo. Hermes capturou a alma de Sísifo e a levou para Hades, depois enterrou seu cadáver com os rituais necessários, exigidos pelos deuses e encerrou o assunto. No inferno o astuto Sísifo recebeu o seu castigo: devia rolar por toda a eternidade uma pedra montanha acima para ver em seguida a mesma voltar ao ponto de origem e ele ter que repetir todo o ciclo novamente.

O que nos fala esse mito? Leia a análise.

De que nos fala o Mito de Sísifo?

Da morte? Do trabalho? Da disputa entre humanos e deuses? Qual relação podemos fazer entre o que nos fala esse Mito e os processos psíquicos do homem contemporâneo?
Morte, Vida. Homem, Deus. Trabalho externo, interno. O mito de Sísifo pode estar nos falando de todas essas coisas. Dicotomias cotidianas.

Quando Sísifo desafia a morte e os deuses, únicos com esse poder, Sísifo desafia a ordem das coisas. Nessa luta com os deuses Sísifo não se entrega e recebe então o castigo de rolar a pedra montanha acima infinitamente, apenas para vê-la rolar montanha abaixo justo antes de alcançar o cume.

A vida e a morte. A dicotomia da existência que impulsiona, dá esperança, força para a realização. Quando desafiamos a morte na busca pela eterna juventude, estamos deixando Sísifo se manifestar em nós? Escravos da juventude e da saúde, com pânico da morte. Não queremos morrer, queremos vencer os deuses. Mas quando não há perspectiva da morte, será a vida uma eterna repetição infinita?

Sem dúvida é a repetição de experiências, padrões de comportamento e situações, que permite a tomada de consciência e por conseqüência, mudança e evolução. Mas a repetição, paralisia no mesmo lugar, é uma forma de morte, pois sem possibilidade de mudança, conclusão de ciclos, não há vida. Se vida é transformação, Sísifo está morto?

E isso nos leva a analisar um outro aspecto que o Mito nos fala. Fechar ciclos é que transforma, gerando a energia potencial para novos projetos. Como saber até quando lutar, persistir, roubar um pouco mais de vida da morte e quando reconhecer que é sensato entregar-se, ceder, largar a pedra e seguir adiante.

Quantos de nós sentem-se sobrecarregados com um trabalho não prazeroso muitas vezes e não temos coragem de largar a pedra e começar uma nova história? Ficar preso numa mesma luta constante, num mesmo objetivo, com a energia focada em uma única direção – seja o trabalho, por exemplo – leva a uma morte em vida.

Quando o homem contemporâneo foca no trabalho sua energia total, acreditando que do dinheiro daí advindo virá a realização, a felicidade e ignora outras necessidades de realização individual, coletiva e espiritual, pode ficar reduzido ao vazio  da repetição infinita.

Mas Sísifo também nos fala do trabalho interno. No processo terapêutico há uma repetição criativa de situações, pois a evolução é uma espiral que parece sempre voltar ao mesmo ponto. Mas a cada nova experiência, fica diferente a manifestação, o sentimento, o complexo. A cada vez que Sísifo inicia a jornada com a pedra montanha acima, há sempre a esperança de um novo final. Isso é vida!

Jung ressalta quando de seu confronto com o Self (inconsciente) o quanto é importante para o Ego (consciência) aceitar seu destino. Ao Ego é solicitado algo do qual não se quer abrir mão. Esse é o momento crucial no processo terapêutico à caminho da individuação, o momento do sacrifício. Se isso não for feito a evolução não acontece.

Quantas vezes nossa voz interior mostra novos caminhos mas temos tanto medo, preguiça ou falta de esperança, que nos desviamos novamente do chamado da nossa Alma e ficamos presos na eterna repetição de sintomas, desejos, frustrações?

Só a coragem de romper, fechar ciclos, transformar é que de fato liberta.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...